Coluna do André Santana

A novela Dona de Mim atravessa um de seus momentos mais intensos desde a estreia, e muito disso se deve à trajetória de Kami. A personagem, interpretada Giovanna Lancellotti, vive uma fase profundamente dramática.

Vítima de violência sexual, ela passa por momentos de pura emoção. Com isso, vem ofuscando Leo, personagem de Clara Moneke, que é a protagonista da trama de Rosane Svartman.

A virada na trajetória da personagem, uma das melhores amigas de Leo, se deu depois que ela alcançou enorme popularidade nas redes sociais. Com isso, ela passou a ser perseguida por um stalker, que a violentou. Depois disso, Kami vem tentando superar tamanho trauma, mas percebe que não é tarefa fácil.

É uma trama bastante complexa, cheia de camadas, que dá densidade ao folhetim. Bem diferente da história da protagonista. Desde o início de Dona de Mim, Leo parece presa aos conflitos que envolvem a pequena Sofia (Elis Cabral). A mocinha não evolui, ao contrário de Kami, que já mostrou várias facetas ao longo da novela.

Tema pesado

Giovanna Lancelotti em Dona de Mim
Giovanna Lancelotti em Dona de Mim

Com a trajetória de Kami, Rosane Svartman retoma um conflito já trabalhado em sua novela anterior, Vai na Fé (2023). Na história, a mocinha Sol (Sheron Menezzes) também foi sexualmente abusada quando era adolescente pelo vilão Theo (Emilio Dantas) e carregava várias feridas emocionais deste trágico momento.

Vale ressaltar que a autora foi bastante habilidosa na condução da personagem de Sheron Menezzes. Mesmo desenvolvendo um tema tão espinhoso quanto o abuso sexual, a autora o fez de modo responsável, sem resvalar no sensacionalismo e, ao mesmo tempo, servindo como alerta aos espectadores.

Por essas e outras, Vai na Fé se tornou a novela das sete mais bem-sucedida dos últimos anos. E Dona de Mim tem tudo para repetir o feito. Pena que, desta vez, isso pode acontecer às custas da verdadeira protagonista da história.

Sem drama

Enquanto a história de Kami avança, Leo parece estacionada. Após se tornar babá da pequena Sofia, a protagonista parece viver uma briga que não é dela. Afinal, por mais que ela tenha se apegado à menina, Leo acabou abrindo mão de seus próprios sonhos para ficar ao lado da garotinha.

É um posicionamento nobre, sem dúvidas. E que também passa por um trauma: Leo perdeu seu bebê no passado e não conseguiu superar o luto. Entretanto, a jovem tinha outros sonhos, como terminar uma faculdade e ser bem-sucedida.

Ao colocar seu ideal em segundo plano, Leo acaba perdendo força como protagonista. A personagem é ótima, Clara Moneke está incrível no papel, mas faltam conflitos capazes de fazer o público torcer por ela.

Inversão

Giovanna Lancelotti e L7nnon em Dona de Mim
Giovanna Lancelotti e L7nnon em Dona de Mim

Essa inversão de protagonismo não é inédita, mas revela um fenômeno recorrente nas novelas brasileiras: personagens bem escritos acabam se sobrepondo à estrutura original da narrativa. Quando isso acontece, o público redefine o centro da história por conta própria.

Esse deslocamento provoca uma reflexão interessante sobre o conceito de protagonista. Ser a “mocinha” não basta mais; o público quer densidade, vulnerabilidade e contradição. Kami reúne tudo isso. O público está torcendo por ela e quer saber com quem a jovem vai ficar. Ou seja, virou mesmo a “mocinha” da novela.

Uma pena que Leo tenha ficado tão ofuscada por conta desta situação. A personagem é uma mocinha solar, divertida, que valoriza o talento de Clara Moneke. Por isso mesmo, merecia brilhar mais.