
A novela Dona de Mim atravessa um de seus momentos mais intensos desde a estreia, e muito disso se deve à trajetória de Kami. A personagem, interpretada Giovanna Lancellotti, vive uma fase profundamente dramática.
Vítima de violência sexual, ela passa por momentos de pura emoção. Com isso, vem ofuscando Leo, personagem de Clara Moneke, que é a protagonista da trama de Rosane Svartman.
A virada na trajetória da personagem, uma das melhores amigas de Leo, se deu depois que ela alcançou enorme popularidade nas redes sociais. Com isso, ela passou a ser perseguida por um stalker, que a violentou. Depois disso, Kami vem tentando superar tamanho trauma, mas percebe que não é tarefa fácil.
É uma trama bastante complexa, cheia de camadas, que dá densidade ao folhetim. Bem diferente da história da protagonista. Desde o início de Dona de Mim, Leo parece presa aos conflitos que envolvem a pequena Sofia (Elis Cabral). A mocinha não evolui, ao contrário de Kami, que já mostrou várias facetas ao longo da novela.
Tema pesado

Com a trajetória de Kami, Rosane Svartman retoma um conflito já trabalhado em sua novela anterior, Vai na Fé (2023). Na história, a mocinha Sol (Sheron Menezzes) também foi sexualmente abusada quando era adolescente pelo vilão Theo (Emilio Dantas) e carregava várias feridas emocionais deste trágico momento.
Vale ressaltar que a autora foi bastante habilidosa na condução da personagem de Sheron Menezzes. Mesmo desenvolvendo um tema tão espinhoso quanto o abuso sexual, a autora o fez de modo responsável, sem resvalar no sensacionalismo e, ao mesmo tempo, servindo como alerta aos espectadores.
Por essas e outras, Vai na Fé se tornou a novela das sete mais bem-sucedida dos últimos anos. E Dona de Mim tem tudo para repetir o feito. Pena que, desta vez, isso pode acontecer às custas da verdadeira protagonista da história.
Sem drama
Enquanto a história de Kami avança, Leo parece estacionada. Após se tornar babá da pequena Sofia, a protagonista parece viver uma briga que não é dela. Afinal, por mais que ela tenha se apegado à menina, Leo acabou abrindo mão de seus próprios sonhos para ficar ao lado da garotinha.
É um posicionamento nobre, sem dúvidas. E que também passa por um trauma: Leo perdeu seu bebê no passado e não conseguiu superar o luto. Entretanto, a jovem tinha outros sonhos, como terminar uma faculdade e ser bem-sucedida.
Ao colocar seu ideal em segundo plano, Leo acaba perdendo força como protagonista. A personagem é ótima, Clara Moneke está incrível no papel, mas faltam conflitos capazes de fazer o público torcer por ela.
Inversão

Essa inversão de protagonismo não é inédita, mas revela um fenômeno recorrente nas novelas brasileiras: personagens bem escritos acabam se sobrepondo à estrutura original da narrativa. Quando isso acontece, o público redefine o centro da história por conta própria.
Esse deslocamento provoca uma reflexão interessante sobre o conceito de protagonista. Ser a “mocinha” não basta mais; o público quer densidade, vulnerabilidade e contradição. Kami reúne tudo isso. O público está torcendo por ela e quer saber com quem a jovem vai ficar. Ou seja, virou mesmo a “mocinha” da novela.
Uma pena que Leo tenha ficado tão ofuscada por conta desta situação. A personagem é uma mocinha solar, divertida, que valoriza o talento de Clara Moneke. Por isso mesmo, merecia brilhar mais.